sábado, 3 de janeiro de 2009

JUIZO

“Não fazemos amigos, reconhecemo-os” (Vinícius de Moraes)

Me lembro claramente como foi nosso primeiro diálogo ao telefone. Ele pergunta sobre o curso de violão e em seguida eu pergunto o que ele ouve e quais são suas influências. Quando me respondeu que curtia U2, The Police e bandas nacionais oitentistas, fiquei bem interessado no rapaz. Era tão difícil encontrar jovens que conhecessem e curtissem aqueles artistas que fiquei curioso. Na seqüência ele disse que tocava um pouquinho de bateria e que queria aprender violão pra musicar suas letras. O moleque também escrevia! Finalmente um aluno interessante. Comemorei. Na sua primeira aula ele chegou meio tímido. Garotão boa pinta, inteligente, jeitão desengonçado, risada estridente, um tipo quase nerd. Já no final daquela aula pude constatar que aquele guri era realmente esquisito e diferente de tudo que eu já tinha visto: enquanto eu explicava pra ele o mapeamento do braço do violão ele, alheio a mim, encarava rassabiado e com olhar psicótico dois alunos que do outro lado da sala conversavam e riam de alguma piada entre eles. Que moleque estranho! Pensei. Mas me empolguei com seu conhecimento musical, seu repertório e até pedi que trouxesse suas letras pra eu dar uma olhada. Já tinha visto aquele filme: o sujeito escreve alguns versinhos pra garota da escola e acha que é um grande letrista. Muitos amigos já tinham me pedido pra eu musicar suas letras mas eu não conseguia. E assim eu colecionava textos rimando paixão com coração, amor com dor. Já na segunda aula ele me trouxe umas letras encadernadas. Enquanto eu folheava o caderno olhando as letras ele falava delas e andava de uma lado pro outro feito um autista. E qual não foi minha surpresa quando comecei a ler aquele material. Eram textos primorosos. O menino tinha talento! Conforme fui folheando e analisando as letras fui me empolgando e percebendo que diante de mim havia um autêntico poeta. Poeta urbano, poeta romântico, de ótima linhagem! Virei seu fã. A partir daquele momento nasceu uma grande parceria., Page e Plant? Frejat e Cazuza? Raul Seixas e Paulo Coelho? Richards e Jagger? Roberto e Eramo? Lennon e McCartney? A gente ia chegar lá! Começamos a compor e montamos um grupo: o Autonomia. Ele assumiu as baquetas, eu o vocal e a guitarra, meu irmão o contrabaixo e o teclado e o Henrique (outro aluno de violão) a outra guitarra. O grupo durou quase 3 anos e durante esse tempo musiquei 38 letras dele, das quais umas dez chegamos a executar ao vivo. Aprendi muito com aquele carinha simpático de bom coração e de jeito simples que no fundo era um poço de cultura, uma verdadeira enciclopédia ambulante com uma inteligência invejável. Nos tornamos grandes amigos, fomos confidente e conselheiro um do outro e compartilhamos muita coisa. Mas amigos também tem diferenças e às vezes a gente não sabe lidar com elas. E quando não há diálogo pra esclarecer as coisas, a gente corre o risco de trocar os pés pelas mãos. E infelizmente foi o que aconteceu no final de 2004 quando a coisa degringolou. Não consegui superar as divergências, não consegui entender direito o que tava acontecendo, perdi a paciência e resolvi tirar meu time de campo. Foi difícil desistir da banda. Mas dei uma sumida e segui em frente. Conheci outra galera, montei outros projetos e até usei neles algumas de nossas composições. Com o tempo comecei a sentir falta daquele baterista competente, daquele letrista sem igual. Mas senti mais falta mesmo foi do menino romântico e inseguro que me contava suas aventuras e paranóias, da figura engraçada que com seu senso de humor apuradíssimo contagiava a todos nos ensaios, do indivíduo enrolado que vivia vacilando e esquecendo das tarefas e compromissos, do companheiro sensível que também me ouvia com minhas inquietudes, meus grilos. Com a saudade vieram os sonhos. Comecei a sonhar que tinha feito as pazes com ele e nos sonhos eu tava feliz. Mas quando eu acordava ficava meio depressivo: tinha sido só um sonho. As lembranças dos bons momentos com a banda começaram a me incomodar. Comentava com minha mulher que me incentivava a procurá-lo mas eu tinha receio de ser esculachado. Maldito orgulho. Comecei então a me perguntar se eu não teria sido equivocado na minha atitude de romper de vez com o poetinha. E se eu tivesse sido egoísta? E se eu tivesse sido injusto com ele? E se ele tivesse errado mas mesmo assim sentia muito pelo que tinha acontecido? E se ele me achou um babaca e mimado com meu sumiço? E se tava puto comigo? E se isso fosse tudo uma paranóia minha? E se ele continuasse aquele camarada bacana de sempre e tinha medo de me procurar? Bom, eu só iria responder a todas essas perguntas se falasse com ele. Só assim ficaria em paz. Refletindo sobre tudo me vi mais maleável, mais maduro talvez. Percebendo que hoje penso um pouco diferente daquela época, finalmente me convenci de que nada justificava aquele meu afastamento. Resolvi entrar em contato pra pedir desculpas. Pelo menos isso. Queria falar também da minha admiração mas nem sei se ele me deixaria falar. Botei meu orgulho no bolso e em janeiro do ano que acabou liguei pro cara. Decidi que mesmo que ele me xingasse ou desligasse o telefone na minha cara eu seguraria a bronca. Mas pra minha surpresa e alegria ele me tratou bem. Me surpreendi quando ele disse que iria me ligar pra conversar e que eu tinha sido uma das pessoas mais influentes em sua vida! Fiquei mais feliz que barata no lixo! Ele falou que só tava esperando o seu melhor momento pra me procurar mas como eu liguei marcamos naquele dia mesmo. Ele me recebeu de braços abertos. Continuava com a mesma simpatia, o mesmo senso de humor e até menos desengonçado. Pra gente se atualizar, papeamos até as três da madrugada. Botamos tudo em pratos limpos e finalmente entendemos o que de fato havia ocorrido naquela época. E em ordem cronológica contamos cada fato marcante da vida de cada um nos últimos três anos.

Por esse momento importante, 2008 ficará marcado pra mim pela reconciliação com essa figura extraordinária chamada Vinicius Noronha.



postado ao som de “Brick House” (Commodores)

1 comentário:

  1. Muito bommmmm...visto que "o tempo e o imprevisto sobrevém a todos" temos que aproveitar todos os momentos da nossa vida para expressarmos o que realmente sentimos. Embora o orgulho às vezes nos domina e se torna um pouco difícil falarmos e agirmos do modo que realmente queremos....é bom quando sentimos essa sensação de "fiz realmente o que eu queria ter feito desde o começo"... =)

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