terça-feira, 26 de maio de 2009

O DROGADO

"Tenho travado uma campanha pessoal. Dou umas cabeçadas aqui e ali mas não desisto da luta. Isso pode ser um fator decisivo." (Nat King Cole)

No começo do mês eu tinha consulta com meu psiquiatra pra ele avaliar os resultados com a diminuição dos medicamentos que uso pra dormir mas me esqueci da data e perdi a consulta. Quando isso acontece eu tenho que remarcar pra daqui há alguns meses. Venho aos poucos me livrando dessa porra e tô me dando bem. Se antes eu tomava três compimidos de amitril e meio de rivotril, hoje tô conseguindo me virar somente com dois amitril. Isso é uma vitória e tanto. Até o m´dico se surpreendeu quando contei do corte mas alertou pra eu não tirar bruscamente porque o corpo não entende, posso ter reações. Nesse fim de semana minha cartela de amitril acabou. Eu vinha economizando ao máximo, tomando um comprimido ao invés de dois. Tinha dia que eu sentia sono logo e outros demorava, mas pelo menos fazia algum efeito. Mas ai acabou mesmo e lá fui eu buscar uma nova remessa com a receita vencida. Não teve conversa. Eu tinha que esperar até agosto ou então passar pelo assistente social pra pedir uma nova receita. Fiz isso mas como não era meu dia de sorte o medicamento que é dado na faixa tava em falta. Conclusão: teria que comprar o maldito. Fiquei puto e resolvi não gastar. Fiquei de greve do remédio e nos primeiros dias foi um sufoco. Eu passava a noite toda cochilando, aquele sono leve que voce sabe que tá ali, sabe o que tá acontecendo a sua volta. Depois de horas eu levantava com a sensação de que não tinha dormido nem meia hora. E na real é mais ou menos isso. Aquele cochilo não vale de nada. Tem que cair no sono profundo pra poder revitalizar de verdade. Mas pra minha surpresa depois de uns três dias comecei a sentir um sono gostoso e comecei a capotar fácil. Nem mesmo meus pensamentos, minhas viagens me atrapalhavam mais a entrar no REM. Será que finalmente consegui vencer essa batalha? Continuo adiando a compra do remédio e enquanto eu conseguir levar minhas noites com pelo menos umas cinco, seis horas de sono já tô contente. E sem esse remédio meu fígado também fica mais feliz.

Postado ao som de “Dee” (Randy Rhoads)

terça-feira, 19 de maio de 2009

ORGULHO

”Estamos fazendo das pessoas algo que ninguém jamais faria. Então, quando fazemos, tudo se torna assim, grandioso. Não podemos deixar de ligar para isso. Você não pode ir lá e dizer 'Dane-se, não somos mais apenas punks do cacete'. É muito ignorante fazer algo desse tipo. Como o Nirvana está fazendo, por exemplo, como se tudo isso não fosse mais legal. Ei, deixe sua música rolar e desencana, o resto vem com o território!" (Slash)

E a música rolou. O que se viu nesse ultimo domingo foi um grande exemplo de superação, raça, companheirismo, descontração, musicalidade, coragem, união. Um dia diferente como há muito eu não via. E ele começou meio tenso com nosso atraso na chegada ao CEU do Jabaquara. Peguei carona com o Vinicius Noronha que também levou o Henrique Carvalho (ex aluno que assumiu a filmagem da apresentação) e meu irmão Daniel. Assim que chegamos, logo de cara uma situação preocupante: a mesa de som apresentava problema com saída do PA que chiava o tempo todo mesmo sem nada plugado. O técnico apreensivo tentava encontrar o problema mas nada. Desencanei e fui adiantar a arrumação do palco com a distribuição das cadeiras pra orquestra, afinação dos instrumentos, organização dos músicos no camarim... Logo o pessoal começou a chegar e fui pedindo ajuda. Alguns assumiam funções sem eu perceber. Assim foi com o suplente de professor de violão Daniel Oliveira. Nosso querido Danielzinho mal chegou e já começou a afinar os violões da rapaziada com seu super afinador eletrônico. Adiantou pacas. Depois de se adaptarem ao ambiente, vários alunos passaram a me ajudar na arrumação do palco com as quase vinte cadeiras do pessoal da orquestra de violões. Fui conferindo a chegada de todos e liberando elas Do outro lado Henrique Junior, nosso professor de sax e apresentador da noite consultava a programação com as músicas e fazia anotações. Consegui convencer nosso “chofer” Vinicius a comentar as músicas já que o cara é uma enciclopédia ambulante. Mesmo inseguro ele topou e foi conferir o esboço que fiz de um roteiro pro show. O teatro começou a encher e como tava corrido desisti de arrumar alguém pra controlar a entrada dos convidados. O técnico arrumou o problema do chiado mas a entrada da mesa pra câmera que levamos pra filmar não dava um som limpo. Tinha um zumbido contínuo que mataria o som do DVD. O câmera man Henrique achou melhor gravar o áudio externo e assim foi. Outro problema que surgiu na passagem de som foi a falta de cabo. O técnico de som de lá disse que só disponibilizava pra gente cabos canon XLR fêmea numa ponta e P10 na outra. A coisa se complicou mais quando ele disse que a gente teria que sacrificar a única caixa de retorno pra poder ligar todos os instrumentos de cordas que fariam o acompanhamento dos cantores. Não vimos outra saída e corremos o risco. Conforme os últimos alunos foram chegando, os últimos ensaios começaram a pipocar nos camarins com os vários grupinhos que eu reunia. Corria pra lá e pra cá tentando participar e acompanhar todos os movimentos: tentava tirar fotos e dúvidas da galera, corrigia a iluminação com o pessoal de lá, confirmava presença dos alunos, “roubava” violões de uns pra emprestar pra outros, orientava entrada de palco, copiava letra da música que faltava corrigir, improvisava outras formações devido falta de algum aluno... Eu queria fazer tudo e também curtir todos mas não dava. Pelo menos as coisas iam se encaminhando pra que tudo desse certo e fui ficando mais tranqüilo. Mesmo com a falta do nosso principal professor de técnica vocal, o aquecimento dos vocalistas aconteceu. Assim que fecharam as cortinas do palco, nosso novo professor de canto, Henrique Liessi, reuniu os cantores e fez um trabalho de relaxamento e aquecimento com eles. O Henri também conversou com o pessoal dando uma força e passando segurança pros mais nervosos. Achei bacana essa cena e vi que ali eu havia encontrado mais um parceiro de fé no nosso trabalho. O cara mal havia entrado no jogo, começou a lecionar com a gente naquela semana e tava ali vestindo a camisa pra valer e cativando a todos. A audição começou com o professor Henrique falando ao público sobre a filosofia da escola e de como é difícil pra um aluno encarar o desafio de se apresentar num espaço como aquele com tão pouco tempo de bagagem e ensaio. Malandro que só ele, preparava a platéia pra eventuais vacilos e erros e me surpreendia com seus improvisos e sua desenvoltura. Em seguida chamou todos os professores presentes ao palco e pediu a alguns que acrescentasse algo mais a sua fala. Comecei dizendo que aquela audição seria um desafio pra todos inclusive pra escola que pela primeira vez na sua curta história promovia aquele tipo de encontro. Falei que pra mim também seria um aprendizado já que minha experiência nesses eventos era como coadjuvante. Comentei também da dedicação e força de vontade dos alunos pra participar daquela festa e que a maioria tinha pouco tempo de aula se superando de forma inédita. Quem falou também foi o Danielzinho que ressaltou a importância do estudo da música como atividade social e educacional que ajuda a livrar as crianças e os jovens da rua, das drogas, das más companhias. Como bom evangélico ele deu bem seu recado. Antes da pelota rolar o Henrique chamou ao palco em ordem alfabética os dezenove alunos presentes da orquestra de violões (a orquestra conta com vinte e dois membros mas três faltaram por motivos de força maior) Eles iriam executar o clássico “Eleanor Rigby” dos Beatles que fala da solidão de pessoas idosas. Vinicius completou contando a historia da canção: que era do disco “Revolver” de 1966, que tinha a produção de George Martin e que foi a primeira canção da música pop com arranjo de cordas. E claro, falou da importância do grupo pra história da música mundial. Entrei no palco e antes de começar reforcei os comentários do Vini explicando o arranjo que tinha feito, que a música era vocal com Paul fazendo a voz principal e George e Lennon os vocais, que adaptei todos os instrumentos do octeto de cordas pro violão, etc. Achei legal falar porque quando a musica é instrumental normalmente o pessoal não entende o que tá acontecendo.

Dei uma de regente e consegui conduzir bem a moçada no primeiro numero que só foi prejudicando pelo mifrofone baixo que não conseguiu captar tanto o som dos violões. Eles se comportaram como profissionais, tanto durante a execução onde tiraram um som redondo e seguiram minha divisão mesmo sem a batuta, como no final quando aguardaram no palco pra receberem os aplausos e esperaram meu sinal pra se retirarem pelo lado esquerdo. Começamos com o pé direito.

A segunda música seria pra quebrar o gelo e testar o som pra valer com o vocal e as cordas eletrificadas. Sobrou pra mim já que o professor que iria cantar faltou. Por causa disso pensei até em tirar “Acima do Sol” do Skank do set list mas como o pessoal tinha ensaiado eu não quis sacrificar ninguém e aceitei pagar o mico de começar cantando. Essa música tem somente dois acordes mas a melodia é complicadinha de cantar por causa dos agudos e da introdução em falsete. Como meu registro vocal ajuda nessa parte topei ser o primeiro a mostrar a cara e o gogó. Na última hora resolvi entrar com um violão de nylon que mesmo sem plugar serviria pra ajudar na introdução e na marcação do ritmo. Fiquei meio grilado porque praticamente todos que me acompanhariam estavam bastante inseguros além de serem limitados técnicamente ou terem pouco tempo de aula. Chamei o André Machado, grande crooner e companheiro, pra segurar a onda na guitarra e dar um reforço no peso e no ritmo. Deu tudo certo apesar da minha voz zoada por falta de aquecimento, da insegurança na interpretação por ter que ler a letra e de não poder brincar com a melodia que eu aprendi por completa uns dias antes. Mas meu pessoalzinho mandou bem: a Bia no baixo não perdeu nenhuma nota, o Mauro no violão de nylon rateou em alguns momentos mas conseguiu manter o groove na mão direita sem cruzar, o André deu o balanço que eu precisava com a ajuda do seu ótimo ouvido e me deixou relax pra largar meu violão no meio da musica e a surpreendente Natalia Tampelli de 14 anos, que mesmo chegando na escola há um mês atrás completamente zerada, resolveu os dois acordes e a mão direita pra audição em um mês. Aluna do meu irmão, tocou o violão segura, deu um belo exemplo e vai virar nossa garota propaganda. Terminei com um vocalize improvisado e a música terminou certinha, com os instrumentos parando um de cada vez, como eu havia sugerido no único ensaio que fizemos. Perfeito.

O segundo número também me deixou bolado pela formação maior (dois cantores) e pela variação no arranjo que fizemos. Rommel no violão e Caíque no baixo, ambos meus alunos, já vinham ensaiando “Velha Infância” há algum tempo. Entretanto o guitarrista Felipe Moura entrou na roda três dias antes. Mesmo assim os acordes na região aguda e uma escala pra improviso que passei na véspera fluíram naturalmente e o cara saiu tocando. O rapaz é bom e estudioso. Mas mesmo com dois vocalistas competentes, mesmo com esse time forte a coisa começou errada logo de cara. Assim que começaram percebi que o baixo e violão cruzavam com os vocais. Dei um tempo pra ver se eles se ajeitavam de ouvido mas a coisa foi degringolando cada vez mais. Com mais ou menos um minuto de música invadi o palco e parei tudo. Na hora entendi que o que tinha acontecido era que a falta de retorno tinha derrubado a minha dupla “calejada”. O contrabaixo tava difícil de ser ouvido. Expliquei pra todos os presentes que sempre que alguma música desse uma pane daquelas a gente pararia. O show tava sendo filmado e o legal seria registrar o melhor daquela turma. Descontrai dizendo que pra ir pro youtube tem que filmar a melhor parte. E eles ensaiaram pacas, eu não poderia deixar que um problema técnico apagasse todo aquele trampo. Eles recomeçaram e no final da música a recompensa. Henrique acenou satisfeito A “cozinha” segurou firme, o Allison, aluno de teclado do meu irmão, pegou o outro violão e fez bem sua parte se apoiando no violão do Rommel, o Felipe fez um belo solo no final que terminou ralentando. E o casal de vocalistas mostrou ao público aquilo que eu tive o privilégio de conhecer bem antes: musicalidade, afinação e interpretação. Flávia e Zaqueu nos presentearam com uma das mais lindas interpretações daquele dia. Cantaram em uníssono e mesmo lendo a letra, bem sincronizados. Golaço. Zaqueu já é prata da casa, companheiro e ótimo exemplo de autodidata. Canta, escreve e compõe. É titular em qualquer banda pop. Ensaiou esse número com a Flávia dois dias antes porque acabou substituindo o parceiro original dela e foi seu grande companheiro e incentivador naquele momento. Já a Flavia é moça talentosa mas teimosa que só ela. Não sabia do seu potencial e brigava comigo quando eu pedia pra ela cantar. Felizmente entrou na minha pilha, foi convencida pelo Regis, seu professor de canto, e deixou seu coração vencer seu medo. Resultado: cantou, encantou e encheu seus professores de orgulho. Casal bonito que mesmo cantando juntos conseguiram mostrar seus belos timbres e cativar até a alguns ouvidos mais críticos. Talento mais disciplina dá nisso.

Na música seguinte tive que entrar pra tocar novamente. A aluna que faria o violão de “Quem de Nós Dois” não pode comparecer e como a harmonia dessa música não é tão simples, achei que seria perigoso jogar algum aluno pra segurar aquela bronca e uma covardia deixar a responsabilidade toda pra Ianca na guitarra. E como meu irmão Daniel faria o contrabaixo, lá fui eu. Mas antes de entrar em cena novamente fiquei apreensivo: a aluna Ingrid que iria cantar esse som dizia o tempo todo que tinha esquecido a letra e implorava pro pessoal escrever a cola pra ela. Dei uma “sacudida” nela e tentei tranqüilizar a menina dizendo que iria dar tudo certo, que eu ficaria do seu lado e em caso de branco e cantaria junto com ela. Conversa fiada. Nem eu sabia essa letra direito mas confiei no meu instinto e rolou legal. Ela entrou mais confiante, e mesmo com a voz meio trêmula cantou a música toda sem errar a letra. Tadinha, era a sua primeira música, e como todos os cantores dali também não tinha passado o som, testado o microfone. Mas ficou bom, ela mandou ver. Sua companheirinha no palco também fez bonito: a Ianca tocou guitarra e mesmo se perdendo em alguns momentos se encontrava no meio do caminho e continuava como se não tivesse acontecido nada. Tenho certeza que ninguém notou suas notas na trave porque ela não deu bandeira em nenhum instante. Menina danada. Eu olhava pra ela tentando chamar sua atenção e fazer com que ela olhasse pra minha mão no braço do violão mas ela não tava nem ai comigo. A miúda se virou sozinha, decorou aquele monte de acordes, tocou a música toda, não fez careta e na sua estréia, deixou muito marmanjo no bolso. Adorei.

E a audição ia rolando bem apesar da qualidade de som: alguns violões ficavam baixos demais pro público fazendo com que os arranjos perdessem o colorido, a falta de retorno deixava a gente inseguro ao (não) se ouvir no palco... E a dupla de professores roubava a cena nas chamadas da músicas: o Henrique com sua eloquência e seu carisma, o Vinicius com seus conhecimentos e suas histórias. E ele fez questão de explicar a todos que a próxima música do Capital Inicial na verdade era uma versão de uma banda argentina chamada Soda Stereo.

Zaqueu voltou ao palco pra cantar “A Sua Maneira” que parece ser simples por ter quatro acordes que se repetem o tempo todo mas não é bem assim. O arranjo tem momentos leves e pesados e respeitar essa dinâmica não é tão fácil. Mas a turma ensaiou bem e não deu outra: a música saiu do quadrado e ficou interessante. Até nos momentos em que o som dos violões da Natalia Cocca e do Kevin ficava baixo por causa do volume zoado ou da falta de retorno, a baixista Fernanda, outra recém chegada à escola, cobria bem essas brechas tocando a fundamental de cada acorde sem perder o ritmo. E isso ficava bem explícito durante os solos nervosos do Felipe Moura que na segunda participação no show mostrou porque é um dos alunos mais virtuosos da escola. Enquanto Zaqueu se deliciava e berrava no refrão, Kevin e Nathalia se matavam pra tirar som dos violões. Moçada esforçada que ganhou o jogo com raça e técnica.

Outra música que também teve uma baixa na hora foi “La Bella Luna” dos Paralamas. O vocalista amarelou e nem deu as caras. Tive que escalar alguém pra cobrir o cara. Como conheço bem essa família, não tive dúvida: quem é o sujeito dali que sabe tudo de rock nacional? André Machado, é claro. Mas ele ficou inseguro em relação a letra porque quase nunca cantava aquele som. Entra em cena o violonista solo daquela formação: Carlos Henrique, mais conhecido na escola como Caíque, disse que tinha decorado a letra de tanto ouvir a música. Imediatamente um mutirão no camarim. Um ditava a letra, outro escrevia e na seqüência o ensaio. Resolveram a música minutos antes de entrar no palco. E eu, que me coloquei como baixista pra dar um suporte pros caras, nem fui requisitado. Ótimo. Acabei caindo de paráquedas nessa música sem ter ensaiado direito. Fui na orelha. Eles tocaram e fui atrás. Todo mundo bem ensaiadinho, foram sozinhos e nem olharam pra trás. Pena que mais uma vez a parte técnica atrapalhou. O violão do Caíque ficou tão baixo que o público não conseguia ouvir o riff da introdução e o dedilhado do resto da música. A solução foi o Henrique usar o microfone em que apresentava as músicas. Ele ficou segurando aparato na boca do violão durante toda a música pra gente não perder aquele arranjo tão legal. Já Rommel fez a guitarra e apesar de dar uma tropeçada na primeira frase, seguiu firme o resto da música e fez o papel da metaleira costurando as frases e dando as deixas pro André cantar. Fiz a segunda voz no refrão que com o grave do André ficou bem fiel ao original. A outra integrante dessa formação foi a minha aluna Raquel, outra grata surpresa. Também cismada mas muito musical, ia fazer a apresentação da audição ao lado do professor de sax, mas na última hora foi “promovida”: fez a base no violão de nylon o tempo todo e foi fundamental pra dar o peso pra dupla dinâmica Rommel/Caique colorir a canção com seus fraseados violonisticos simulando os teclados e metais. Escalei a moça pra tocar essa música na sexta, ou seja, quase na véspera. Fez somente um ensaio e acabou tirando uma onda lá hora em que a música rolava: tava calma, tocou sem caras e bocas, conversou comigo durante a música e ainda achou graça da cena. Abusada ela. Pra quem entrou completamente crua um dia desses na escola e nunca se apresentou tocando, a danada foi muito bem.

Na virada pra próxima música pela primeira vez alguém ficou no palco e participou de duas músicas seguidas. Quando montei o set list quebrei a cabeça pra isso não acontecer mas não teve jeito: como o vocalista de “Pescador de Ilusões” faltou, o André assumiu mais essa, e dessa vez tranqüilamente porque esse sucesso do Rappa fazia parte do repertório do Duke Vizoni, ou seja, ele canta isso de trás pra frente. Pra acompanhar o moço a gangue que entrou no palco foi: Joeste na guitarra, Thais no violão e Larissa no contrabaixo. Música tranqüila, fácil de tocar, com poucos acordes mas parecida com aquela do Skank. No refrão a música cresce e a seqüência de acordes tem uma variação. Joeste segurou a harmonia numa boa: o som da guitarra ajudou mas o rapaz é competente e dedicado. Thais se superou no violão já que vinha tendo dificuldades pra resolver o arranjo e tocar com fluência. A guria, que também é aluna do meu irmão, fez a lição de casa e mandou ver no palco. Apesar de molecona e novinha, na hora H, priorizou a música deixando de lado diferenças que surgiram nos ensaios com outra aluna, levou a sério e não pipocou em nenhum momento. Gostei disso. Quem deu o colorido nesse arranjo foi a Larissa que saiu do seu primeiro instrumento, o violão, pra fazer o contrabaixo. Aprendeu a música durante a semana e na sua primeira participação na noite deu seu recado.

A próxima música foi a última que entrou no repertório da audição. Por ser relativamente fácil de tocar e bastante comercial inclui a canção nessa audição depois de uma conversa com minha aluna Bia. “Palpite” foi sucesso na voz da Vanessa Rangel e como a audição teve praticamente essa temática “pop-rock-nacional-radiofônico”, achei interessante botar essa música pro pessoal fazer. Faltando uma semana pra apresentação dos alunos comecei a passar o arranjo pra eles. Passei o baixo pra Bia e a guitarra pro Felipe Carvalho. Descobri que o Zaqueu conhecia bem a música e pedi pra ele fazer um violão. Ele topou na hora e eu escrevi os acordes. No finalzinho-do-segundo-tempo escalei o Caíque pra fazer o outro violão e passei os acordes pelo Orkut. Como o moleque é esforçado chegou no ensaio tocando. Pra completar o grupo chamei a Ingrid pra cantar. Ela também assumiu a responsa e aprendeu a letra em 3 dias. Na última hora ela pediu pra cantar com a Natalia Cocca que sabia de cor e salteado a letra e eu achei legal alguém pra segurar a onda. E foi com essa formação que a moçada mostrou esse tema daquela novela da Globo. Bia, a “culpada” pela entrada dessa música nesse evento, se saiu bem no baixo mesmo tendo resolvido o arranjo nos camarins. Zaqueu deu segurança no acompanhamento pois toca bem seu violão base. Já o Felipe cuidou dos riffs de guitarra e mesmo rateando em alguns momentos teve bom ouvido: se encontrou sozinho e não deixou a peteca cair. Esse menino vai longe. O Caíque também tocou os acordes e reforçou o “chão” pras meninas cantarem. Elas por sua vez nos deram um exemplo de companheirismo e mostraram pra todos que a união faz a força. Mesmo mais relaxada, agora na sua segunda música da noite, a Ingrid teve um branco e falhou na letra, antes do refrão. De bate pronto a Natalia completou e ela pegou carona na fala da amiga. No final da música percebi uma das cenas mais bonitas da audição: elas cantavam de mãos dadas. Se a audição acabasse ali pra mim já teria valido a pena. E assim foi seguindo o espetáculo com nossos pupilos superando as dificuldades que apareciam, ora dentro, ora fora deles.

Como a próxima canção era do Tim Maia, nosso comentarista Vinicus não perdeu a oportunidade e sacou histórias do “síndico” do livro do Nelson Motta. Falou de como Tim foi influente na construção da soul music no Brasil depois de trazer dos States a forma como deveria ser tocado o gênero. Uma aula e tanto. E essa música talvez tenha tido o momento mais tenso daquele dia. O aluno destacado pra cantar a música “Gostava Tanto de Você” ficou tão nervoso que sua voz mal saía. Mas o que mais gostei nessa história é que o Mauro não arredou o pé. Aluno de violão e de teclado, ele não precisava se expor daquele jeito mas foi lá e enfrentou seu medo. O homem é afinado, tem ritmo mas o lado psicológico quase derruba o homem. Digo quase porque ele foi lá e fez. Auxiliado pelo seu “anjo da guarda” Henri, nosso querido professor de canto, ele começou cantando sussurrando quinem João Gilberto e no final foi se soltando e aumentado a projeção. O professor cantou o início e deu a dica da entrada. Mauro leu a letra até o fim e no final os dois cantaram em uníssono quase no mesmo volume esse samba rock do Tim que acabou virando uma black music nas mãos do Lucas que tocou o violão, da Stefanie que tocou o baixo e do Duartinho que tocou a guitarra. Todos os três surpreenderam: Lucas suingou no violão mesmo sendo roqueiro e Stefanie digitou no baixo mesmo sendo aluna de violão (o casal começou a estudar no início desse ano). Duartinho adaptou o solo do sax da introdução pra guitarra além de usar acordes na região aguda do braço mesmo sem ter mapeado o mesmo. Todos deram um belo exemplo de superação mas a lição que nosso vocalista deixou pra mim foi maior, de tirar o chapéu.

Quando eu voltava ao palco, dessa vez pra cantar uma da Legião, Vinicus engrenou outra história e contou a platéia como Renato Russo tinha uma puta sensibilidade pra sacar músicas de trabalho mesmo indo contra os mafiosos da gravadora. Deu como exemplo o disco “Dois” que tinha músicas nada comerciais como “Eduardo e Mônica” e “Índios”, esta a que eu iria cantar. Encerrou falando que Renato tinha muita segurança nas suas opiniões e acreditava na sua obra. Aproveitei a deixa e falei que ele podia ter segurança pra destacar músicas de trabalho mas não tinha segurança pra cantar aquela música que a gente iria fazer. Talvez tenha sido um comentário infeliz naquele contexto mas foi a forma que encontrei pra me livrar um pouco da responsabilidade de acertar de prima aquela letra complexa. Quer dizer, se o Renato errava eu também poderia errar, pensei. Mas com uma colinha discreta, destaquei os verbos iniciais de cada verso e não tive problemas. Deu até pra improvisar um pouco na melodia apesar de sempre cantar essas músicas da Legião com o coração. Fui do sussurro ao canto aberto com alguns trechos rasgando e berrando. Não sei se a galera que assistiu entendeu mas gostei do resultado apesar de ter ficado inseguro com o som do microfone. Já a turma que me acompanhou nem tenho muito o que falar.Vinicius e Jéferson são meus alunos e mesmo sem ter completado um ano, vem “comendo” o violão e desenvolvendo uma técnica de solistas que normalmente se leva anos. Ouvi alguns acordes fora do Jéferson mas não me atrapalharam nem comprometeram o arranjo. E depois de tudo que apresentou nas aulas e nos ensaios, o cara tá abonado. Já o Vinicius foi impecável mas prejudicado pelo som ruim de seu violão. Apesar desses ótimos alunos, o grande destaque nessa música pra mim foi William Garcia que tocou o contrabaixo. Aluno do Daniel, o rapaz entrou na escola em meados de março e conseguiu tocar a música toda sem dar na trave. Entendeu a estrutura da música (que não é tão simples por ser a versão acústica que é mais complicada que a de estúdio porque é maior e tem três partes) e ainda por cima leu cifra, coisa difícil pra quem teve contato com isso por apenas algumas semanas. Ficou concentrado o tempo todo e não deu bola pra torcida. Só ensaiou com os meninos no sábado mas pra quem assistiu aquilo deve ter achado que já eram parceiros de longa data. E me esbaldei com esse auxílio luxuoso.

A música seguinte pedia uma bateria por ser um reggae daqueles, mas a moçadinha conseguiu passar bem a idéia rítmica porque sentaram e ensaiaram pra valer. Quer dizer, com essa formação ensaiaram na véspera. Com excceção do Lucas que quebrou tudo no contrabaixo, todos os outros já tinham tocado. Zaqueu mostrou seu lado rapper misturado com reggae man e desfilou bem os versos de “Zóio de Lula” do Charlie Brown. Completou a formação Duartinho e Kevin. Duartinho fez bonito nos acordes dedilhados e fez frases de improviso que nem ele mesmo acreditou. Outro que tem futuro como ótimo instrumentista. Já o Kevin entrou no grupo no sábado e sem entender o que tava acontecendo saiu tocando a música. A harmonia é simples, com dois acordes, mas sua marcação rítmica foi muito importante pra que a música acontecesse e soasse reggae. Sem ele os solos de guitarra poderiam se perder e é aí que a percussão fez falta. Mas Kevin segurou a base com firmeza e deixou Lucas a vontade pra arrematar com grooves a la Champignon. A música mais guitarrística do evento funcionou bem no formato acústico graças a garra e empenho desses meninos. Merecem respeito.

O momento cor-de-rosa da audição teve como representante a música “Na Sua Estante” da linda baiana Pitty. E foi cor-de-rosa-shock porque o grupo que se formou pra essa música foi totalmente feminino. Ingrid nos vocais, Larissa no violão, Fernanda no baixo e Ianca na guitarra, já tinham tocado e talvez por causa disso estavam mais tranqüilas. Antes do início Larissa comentou que dali poderia se formar a primeira banda feminina da escola. Ela passou a palavra pra mim e não resisti: contei das brincadeiras nos ensaios e que o grupo já tinha sido batizado como “X Woman” (nome tirado do filme X Man e originalmente relacionado a Larissa por conta da sua versatilidade com os instrumentos). Brinquei dizendo a todos que eles poderiam estar presenciando um grande momento da música brasileira, o nascimento de uma nova banda “Altas Horas”! Em seguida elas começaram com tudo e como eu imaginei, não teve chabu. Ingrid bem mais solta começou a interpretar e dessa vez conseguiu mostrar um pouco do seu potencial. No caso do power trio só dá pra falar que foi uma graça. Bem entrosadas, Ianca e Larissa tocaram os bicordes com as notas da Fernanda em total sincronia, respirando no lugar certo e dividindo os compassos perfeitamente. Quando tiver bateria então, ninguém segura essas meninas. Fiquei feliz ao ver as gurias fazendo bonito e mesmo sem ter nenhuma aluna no grupo fiquei orgulhoso. Mérito do meu irmão que preparou bem essas fofoletes.

Dividir os vocais com o André é uma tarefa árdua. Depois que o rapaz abre a boca todo mundo fica apagado ao seu lado. Tentei sair pela tangente e fugir desse dueto vocal mas o pessoal pediu pra eu cantar com ele “A Cruz e a Espada” pra reprisar aquela onda meio Renato Russo e Paulo Ricardo. Então topei e cantei tentando interpretar e dar o meu melhor. Ficou legal. Comecei tocando violão de aço e reproduzi a parte do violino da introdução. Depois entrei cantando baixinho e mantendo a melodia original. Aos poucos fui fazendo pequenas variações e soltando a voz. Nas intervenções do André ele também se manteve no cover e como seu timbre lembra um pouco o do Renato, ficou muito bonita a sua parte. No finalzinho acabei me perdendo mas improvisei com um vocalize e ele foi na minha. Usei o ouvido e cantei em terças as ultimas frases. Deu certo e acho que quase ninguém sacou que inventamos aquilo na hora. O nosso tripé foi formado por William Garcia no baixo (olha ele aí de novo!), seu companheiro de aula William Lima na guitarra e Kleber no outro violão. “The Williams” foram uma das coisas mais interessantes que surgiram nos últimos tempos na escola. Chegaram dias desses pra fazer aula e em semanas foram aprendendo rápido músicas que meu irmão nem tinha passado. E essa música do RPM é um exemplo. Ela entrou na audição porque eles chegaram tocando direitinho. Ficamos empolgado e convidamos os dois pra participarem apresentando esse arranjo. O Kleber já é um membro honorário da escola e uma pessoa que tá sempre aberta a sugestões e repertórios. Um dos alunos mais ecléticos que já tivemos. Pegou essa música pra estudar no mês passado e tocou usando uma técnica que não é seu forte: o arpejo. Mas se concentrou e sua parte saiu limpa, reforçando o colorido na música.

Sei que muita gente já tava empapuçada do grande hit da escola mas a gente não podia deixar de registrar “O Sol” do Jota Quest. Como é uma música didática por ser repetitiva na letra e no acompanhamento, é a mais tocada da escola e já virou carne de vaca. Mas a Larissa conseguiu transformar aquele momento num dos pontos altos da audição. Acompanhada por Natália Cocca no baixo, Ana e Caique nos violões e Felipe Carvalho na guitarra, ela se soltou com eu nunca tinha visto e se comportou como uma cantora experiente (ela nem faz aula de canto!). É claro que sem uma base sólida ela não faria nada. E ela teve isso garantido porque a Natália deu o sangue e mesmo com pouco tempo de violão e sem fazer aula de baixo, empunhou o dito cujo e fez bem a marcação do grave, sem firulas. Aninha, outra precoce e sapeca, fez a tarefa de casa e na sua única participação na apresentação não deixou buracos. Fez a base no grave pra dar o contraste com os acordes do Caíque, que chamado ao palco naquele instante pra substituir o aluno que tinha faltado, entrou no susto e tocou sem pestanejar os acordes diferentes que eu tinha ensinado dias antes. Felipe tocou groovando várias vezes o riff principal que é a marca registrada da música. Ele deve ter ouvido muito Aretha Franklin e James Brown na sua outra encarnação. Com essa turma segura Larissa fez a festa. O curioso é que no exato momento em que o professor Henrique comentava que naquela altura do campeonato tava faltando alguém pra dar uma levantada no pessoal, a mocinha começou a bater palmas e a agitar o público. Será que ela tem telepatia? E se nos ensaios ela sempre semitonava em alguns trechos, ali não reconheci a garota de 14 anos. Afinou, descontraiu, dançou, sorriu, conversou com a platéia. Uma autêntica frontwoman. Contagiado pelo seu astral, cantei e aplaudi com força o numero mais energético do evento. Depois que a aluna mais fominha da escola mostrou que tem carisma, a audição tomou outro rumo.

Ao voltar pro palco pra cantar a próxima música percebi que o Vinicius não tava por ali. E como era uma composição dos Los Hermanos, não resisti e eu mesmo resolvi falar do grupo. Como considero uma das bandas mais criativas surgidas nos últimos anos e como não teve o devido reconhecimento do grande público, tentei chamar a atenção do pessoal citando o caso da música Anna Julia: ela foi um estouro, todo mundo conhece, é uma ótima canção mas como tem uma sonoridade sessentista e foi o único grande sucesso dos caras, a banda ficou associada a um tipo de rock meio iê-iêr-iê. Pedi pras pessoas irem atrás dos outros trabalhos do grupo pois iriam se surpreender. Não sou muito otimista com esses discursos mas fiz minha parte. Também avisei que “Condicional” não era tão comercial, pelo contrário, era sonzeira de guitarra com ecos de Strokes. Acho que pelo menos os roqueiros de plantão presentes devem ter entendido isso. E pra detonar nas cordas ninguém melhor que o duo fodástico Vinicius/ Jéferson. Em “Índios” fizeram violão e guitarra respectivamente e dessa vez inverteram os instrumentos. Se antes de começar fiquei puto com o som do baixo que eu não ouvia (recomeçamos várias vezes!), no meio da música quase tive um orgasmo ao viajar nela. Que pegada! E enquanto a dupla infernal arregaçava nos acordes dissonantes e eu enfiava a mão no baixo pra tentar tirar mais som, Daniel tentava em vão dar um tempero a mais no violão de aço: a merda do cabo não funcionou e o seu som não saia porque tava desplugado. A levada de bateria dessa música é muito criativa e faz toda a diferença. Talvez por isso André tenha ficado inseguro na última parte ao entrar atravessando depois do instrumental esticado. Mas fomos atrás dele e só os fãs de carterinha mais atentos devem ter percebido. Mas a letra é uma obra prima e como André sabia de trás pra frente não perdeu nenhum trecho. Com ele, Zaqueu, na primeira fila, cantou junto e vibrou nessa que com certeza foi uma das músicas mais vibrantes do set list.

“Te Devoro” do Djavan foi a música que desvirginou os últimos músicos invictos daquele dia. Tirando o baixista Lucas, todos os outros não tinham participado ainda. William na voz mais Henrique Carvalho, Vitor e Daniel Oliveira nos violões entraram no palco na reta final. William entrou empolgado conversando com a platéia. O moço é calejado, canta na igreja, é bem afinado e tem um gosto musical apurado. E a sua trupe não podia ser diferente porque tocar Djavan não é pra qualquer um. Vitor saiu melhor que a encomenda ao tocar esses acordes pois vem de uma escola mais pop rock mesmo tocando na igreja. Já nosso câmera man Henrique Carvalho é outro ótimo modelo de esforço e superação. Com menos de um ano de aula toca harmonias sofisticadas que muito guitarrista speed racer, com anos de praia não consegue. E Daniel Oliveira, nosso estimado suplente de professor de violão, é um músico diferenciado. Intuitivo até o cabelo, é grande harmonizador e improvisador. Enquanto Henrique e Vitor suingavam com acordes “aranhas”, ele fritava com solos maravilhosos e harmonias em blocos que infelizmente se perderam por causa da falta de retorno e de volume no PA. E foi cercado por esses cobras que William se divertiu. Talvez influenciado pelo formato dos cultos da igreja cantou o tempo todo falando as primeiras frases antes de cantar cada verso da letra. Era como se quisesse ensinar ou lembrar a letra ao público. Só faltou ele gritar um “aleluia” no meio mas mesmo assim achei demais porque também cativou a todos os presentes e passou uma energia bacana. Vendo o feedback da galera não se conteve e ficou de pé a partir da metade da música. Isso foi interessante também porque foi um diferencial durante todo evento. Ninguém teve essa coragem de aparecer mais que todos. Mas o cara tava com encosto do bom e fez a festa.

E os cantores seguiram deitando e rolando. Dessa feita foi o professor de canto Henri. Ele não só estudou a letra e a base pra tocar “Lenha” do Zeca Baleiro como também ajudou ao professor Daniel a preparar os músicos de apoio. Com exceção do Kleber, que como grande parte da patota pegou a música pra tocar na véspera, todos os outros estudam com meu irmão. E no último dia de ensaio Henri chegou com idéias novas pro arranjo e sugeriu uma dinâmica onde a música começaria lenta com os violões dedilhados pra depois todo mundo descer a mão e acelerar. Ficou jóia. O casal Stefanie/Lucas inverteram seus instrumentos e dessa foi ele quem tocou o baixo. Kleber tocou os três acordes da música com desenhos diferente do convencional. Além dos citados completou o quarteto de cordas o William Lima que tocou violão de aço. Henri esbanjou simpatia e até parecia político em campanha adaptando um “eu amo voces” no meio da letra. Quando ele soltou seu vozeirão acho que todo mundo percebeu a diferença na projeção da voz. Cantor profissa é outra coisa. Ao final ele convocou a platéia pra cantar junta fazendo com que essa canção fosse uma das mais aplaudidas do espetáculo.

Olhamos no relógio e depois de analisar o programa vimos que não daria pra apresentar todas as músicas. O nosso professor de sax me perguntou sobre quem já tinha tocado e priorizamos os que tinham participado menos. Assim decidimos excluir “Céu de Santo Amaro”, Esperando na Janela”, “Noite do Prazer” e “Como Zaqueu”, canção que lamentamos muito sacrificar por ser uma das mais aguardadas.

E depois de avisar a todos que mataríamos aqueles sucessos por conta do atraso com os problemas técnicos, ele se posicionou pra cantar a próxima música. Entrei também no bolo pra fazer a guitarra e o backing. E o interessante na formação que acompanhou a gente é que os três integrantes são muito novos e roqueiros natos. Mas só fui feliz ao escalar esse trio porque tive a lembrança de que em algum dia de algum mês em épocas diferentes ouvi esse pessoal falando bem de Victor e Léo. Larissa (violão), Rommel (contrabaixo) e Duartinho (violão) tocaram “Fada” com muito tesão. Larissa tocou dançando na cadeira, Rommel deu o peso com segurança mesmo sem nunca ter tocado baixo e sem ter dormido na noite anterior e Du, que ria de orelha a orelha, tocou de cor os acordes que aprendeu em 24 horas. Senti que a música agradou em cheio e até o pessoal da técnica entrou no embalo: reparei umas pessoas dançando de mãos dadas e braços levantados em frente a mesa de som na parte de cima do teatro. Gratificante. Consegui ouvir minha guitarra e minha voz e isso facilitou pra eu fazer a segunda. O dueto vocal ficou maneiro. Tirando minha nota fora no final do último solo, todos mataram a pau e achei uma das músicas mais redondas do repertório..

Como nem tudo é perfeito infelizmente o samba do Djavan foi um fiasco. Parece maldição pois foi o único compositor que teve duas músicas no programa, ou seja, a segunda deve ter dado tudo errado porque fomos injustos com outros autores e por isso castigados. O que aconteceu é que no grupo tinha muita gente fazendo a mesma coisa e como não dava pra ouvir direito todos os violões, os acordes chocavam. Sem uma marcação rítmica forte que todo samba exige, nem todos mantinham o mesmo time. Deu dó porque sem sombra de dúvida era a melhor formação de todas: André cantando, Daniel Oliveira no violão, meu irmão no baixo, eu na guitarra e o único aluno da panela: Lucas no outro violão. Mesmo com o som cruzando, nosso melhor aluno de cordas fez o que poucos conseguem em tão pouco tempo: trocar um baixo rock and roll por um violão brazuca com harmonias rebuscadas repleta de acordes complexos. E ainda por cima tocando música brasileira! Se nos ensaios ele deu um show, ali não pode fazer nada. Eu bem que tentei ficar só de ouvido enlinhavando solinhos junto com a voz mas sem retorno e sem volume pra se ouvir não deu certo. Quem conseguiu salvar a pátria foi André que fez seu ritmo e independente dra e fez seu ritmo e ondependente unto com a voz mas uvir odos a segunda voz. oite anterior e Du ria de orelha a orelhae onde tava a harmona seguiu sem definar nem perder o ritmo. Show de bola. Mas na música mais rica em melodia, harmonia e rimto, foi muita informação jogada fora.

Na penúltima musica finalmente um hit evangélico pra abençoar nossa noite. “Faz chover” é sucesso do grupo Toque no Altar mas foi gravada também pela Aline Barros. Tem seqüência de acordes bem repetitiva que abre espaço pra grandes improvisos. Infelizmente o carinha que iria quebrar tudo nessa parte não pode ir. Apesar do desfalque o time de convertidos que subiu ao palco foi iluminado. William novamente nos vocais, Vitor no violão, Joeste na guitarra mais os professores Daniel no contrabaixo e Danielzinho no violão de aço, conseguiram dar um brilho nessa balada gospel e mexer até com os pecadores mais insensíveis e incrédulos da platéia. Muita gente cantando junto uma canção que nem é radiofônica. Cena bacana. Glória a Deus!

Pegos de surpresa, Zaqueu, Ingrid, Jéferson, Vinicius e meu irmão foram chamados ao palco pra fechar o evento com o sucesso do Ira! e Pitty que a Roberta Miranda teve a audácia de gravar. Antes da saideira Henrique surpreendeu a todos convocando todos os alunos participantes a subirem no palco pra encerrar com a gente. Fiz o baixo, Zaqueu e Ingrid cantaram e Daniel e a dupla ninja atacaram nos violões e guitarra. Enquanto eu brigava com o som do baixo pra fechar com o mínimo de dignidade no instrumental, via a galera entrando no palco contente, com jeito festeiro de quem cumpriu bem sua missão. E foi nesse alto astral que encerramos a audição. Quando fizemos a introdução de “Eu Quero Sempre Mais” o teatro inteiro começou a acompanhar batendo palmas. Chocante! Zaqueu cantou a primeira parte e a Ingrid a segunda. Não deu pra ouvir o segundo solo feito pelo Vinicius mas nada disso atrapalharia aquele grand finale. No meio da música percebi que todo o pessoal que tava atrás da gente dançava enfileirado e abraçado. Fiquei bobo. Nem nas minhas maiores viagens pra essa reunião eu poderia visualizar essa cena. Fechei o dia com a alma lavada e a certeza de que proporcionamos a muita gente um dos dias mais marcantes de suas histórias.


Postado ao som de “O Último Dia” (Paulinho Moska)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

LISTA NEGRA

"Os inimigos são muito poderosos, e estão por todas as partes em que existe mais de três homens vivendo. Estão no ar, estão no espírito."(John Lennon)


Manifestante vândalo, aluno arruaceiro,

Parente intrometido, bajulador traiçoeiro,

Intelectual arrogante, burguês preconceituoso,

Tecnocrata impassível, banqueiro ganancioso,

Consumista inadimplente, agiota oportunista,

Pobre preguiçoso, rico egoísta,

Chefe prepotente, patrão explorador,

Policial covarde, soldado torturador


Sem eles a vida seria melhor

Com eles tudo vai de mal a pior

Delegado cúmplice, seqüestrador calculista,

Senador coronel, deputado fascista,

Carcereiro subornável, mentor presidiário,

Médium exibicionista, vidente mercenário,

Prostituta ‘’kamikaze’’, padre pervertido,

Namorado promiscuo, adúltero convertido,

Empresário pedófilo, advogado conivente,

Jornalista leviano, médico negligente,


A corja se supera a cada dia

Na eterna novela da triste trilogia

Impunidade-ignorancia-hipocrisia

Onde insensibilidade é mato e vergonha é ouro


Pastor orgulhoso, bispo capitalista,

Evangélico intolerante, católico racista,

Vizinho reacionário, internauta criminoso,

Mãe sádica, pai incestuoso,

Homossexual depravado, hetero estuprador,

Esposa infiel, marido agressor,

Torcedor violento, fazendeiro sanguinário,

Universitário homicida, playboy incendiário


Motorista bêbado, fumante inconveniente,

Traficante irônico, viciado delinqüente,

Pedinte farsante, vendedor charlatão,

Candidato demagogo, prefeito ladrão,

Ministro dissimulado, vereador vigarista,

Presidente omisso, governador nepotista,

Secretário corrupto, engenheiro estelionatário,

Juiz gatuno, previdenciário falsário


Eu sei que o que é deles está bem guardado

Mas muito cuidado – o inimigo mora ao lado

Enquanto eles não têm os dias contados

Eu tenho a atenção, a oração e a cancã


Letra escrita em 2001 falando da nossa sociedade podre e principalmente dos principais personagens da nossa vida pública. Texto atemporal que infelizmente continua atual e poderia muito bem se chamar lista verde e amarela.


Postado ao som de “Chiclete” (Ultraje a Rigor e Edgard Scandurra)

domingo, 17 de maio de 2009

MERDA!



Tenta-se às vezes fazer distinção entre a música expresiva de sentimentos e outra que tenderia a não expressar nada fora das relações sonoras. Mas qualquer que seja a forma empregada, e ainda que ela se submeta a esse gênero que certos teóricos convieram em chamar "música pura", como fundo da inspiração do compositor existe um sentimento que o intérprete tem o dever de encontrar para o transmitir ao ouvinte. (Alfred Cortot)


Se tudo der certo hoje a programação a ser cumprida vai ser essa e a orquestra de violões contará com Ana Guerra, Andréia Carolini, Caíque Almeida, Du Souza, Egina Santos, Felipe Carvalho, Felipe Moura, Gustavo Gomes, Ianca Lima, Kevin França, Kleber Lima, Larissa Martins, Lílian Tiami, Lucas de Mello, Mauro Cardoso, Roberto Duarte, Rommel Soares, Silvio Paes, Stefanie Leal, Thais Martins, Ticiana de Souza e William Lima.

E merda pra todos nós!!


Postado ao som de “O Portão” (Roberto Carlos)


sexta-feira, 15 de maio de 2009

DUETO

"Apenas pensei que todos vocês gostariam de ouvir como cantores modernos como nós se saem sem um microfone!" (Nat King Cole)

Hoje o Henri, nosso novo professor de canto, fez sua estréia. Começou a dar aula pro Wesley, um rapaz que toca percussão num grupo de forró tradicional. Esse aluno me mostrou o repertório e pirei: só Gonzagão, Dominguinhos, Trio Nordestino. Raiz até o talo (!) depois da aula o Henri ficou por lá tocando e foi aí que descobri a enciclopédia que esse professor é. Cantou e tocou violão por várias horas. Mostrou desde músicas sacras, passando por Bee Gees até chegar no Clube da Esquina, movimento esse que ele domina e conhece tudo. Começamos a brincar com algumas canções e abrindo as vozes saquei que dava pra montar um show bem nessa onda de grupos vocais como Boca Livre, Roupa Nova, Quatorze Bis. Tô empolgado.

Postado ao som de “You’ll Be In My Heart” (Marcos Mello)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

FRANGUINHO NA PANELA

"Quero continuar com a vida, me dedicar aos meus filhos e levá-los a ver a beleza e a boa vibração de um ser humano, que não pode ser julgado por como ele está andando." (Herbert Vianna)

Continuo firme e forte indo ensaiar com aquele cantor de sertanejo, o Sobradinho. Na maioria dos dias não tenho prazer em ir pra lá mas como tô aprendendo muita coisa, principalmente no que se refere a repertório, e a forma de tocar esse estilo continuo insistindo nisso. No fundo sinto que não vai ter futuro pela precariedade das coisas, pelas limitações e mentalidade dos músicos. Mas tô exercitando minha tolerância com as pessoas simples e dou um crédito pra elas. Quem sabe num futuro eles pelo menos viram amigos de verdade? Tem até aquela musiquinha que pelo título inicial crio um preconceito bobo de cara mas depois quando vou conhecer direito me surpreendo, me identifico e acabo me comovendo com a interpretação, com o arranjo, com o texto ou a poesia. Mas vamos ver no que isso vai dar.

Postado ao som de “Baader-Menhof-Blues”(Legião Urbana)

terça-feira, 12 de maio de 2009

REPERTA

"Não sou eu. São as músicas. Eu sou só o carteiro. Eu entrego as músicas." (Bob Dylan)

Provável repertório da audição do próximo domingo:

A CRUZ E A ESPADA

A SUA MANEIRA

ACIMA DO SOL

CÉU DE SANTO AMARO

COMO ZAQUEU

ESPERANDO NA JANELA

EU QUERO SEMPRE MAIS

FADA

FAZ CHOVER

FLOR DE LIS

FLORES

GOSTAVA TANTO DE VOCÊ

ÍNDIOS

LENHA

NA SUA ESTANTE

NOITE DO PRAZER

O SOL

PALPITE

PESCADOR DE ILUSÕES

POR ONDE ANDEI

QUEM DE NÓS DOIS

SOZINHO

TE DEVORO

VELHA INFANCIA

ZÓIO DE LULA


Postado ao som de “Bring Me To Life” (Evanescence)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

SEGREDO

"A separação penetra a pessoa ausente como um pigmento e a impregna numa radiante nobreza." (Boy George)

O que era pra ser apenas sorrisos e palavras

Transformou-se em afeição e fixação

Descobri que a saudade que eu sentia do que senti

Era tamanha mas não infinita

Foi quando me iludi com minha maturidade

A carência enfraqueceu a razão

E eu não quis enxergar a paixão

E o sofrimento de mãos dadas

Controlei teus gestos, olhares e falas

Mas não o vício de pensar em você


Enquanto atuei com a discrição e a distração

Compliquei a vida em nome do presente

Enquanto alimentei a chama perigosa

Anulei a culpa em nome do passado

Enquanto esperei a febre passar

Hesitei me confessar em nome do futuro


A imaginação então foi compensando

A falta do que eu queria e não tinha

Minha boca na tua era meu pequeno sonho

Que eu achava que me bastava

Até a hora em que você me aparecia

Com tanto do que sempre ignorei

E prestando atenção me diverti tanto

Que eu até me esqueci que meu mundo não cabia no seu

Então me lembrei de como era aquela dor


Não te evitei, não te procurei,

Não te magoei, nem te perdoei

Porque o medo angustiado e o respeito envergonhado

Sufocaram a minha entrega

Não me desculpei, não te consolei,

Não me decepcionei, nem te amei

Porque a nossa história só aconteceu

No meu faz de conta


Ninguém poderá me acusar

Ninguém saberá me julgar

Ninguém precisará me condenar

Porque já paguei pelos acertos e erros que não cometi

Me consola saber que no futuro

Não terei cartas, fotos, presentes pra lembrar

Que no meu vazio com a minha indecisão

Que na minha inquietação com a sua perfeição

Sofri e chorei ao ter a certeza

Que nunca conheceria os teus defeitos


Me alivia saber que algum dia

Vou me lembrar sereno e sorrindo

Do segredo mais bonito que eu guardei


Letra escrita no início dessa década e que musiquei em 2003 depois de ouvir o disco “Grace” de Jeff Buckley.


Postado ao som de “Dois Elefantes” (Paralamas do Sucesso)