segunda-feira, 20 de abril de 2009

A DÚVIDA

A experiência me mostrou muito tarde que não se pode explicar os seres a partir de seus vícios, mas sim partindo daquilo que conservam intacto, de puro, daquilo que lhe resta da infância, por mais profundamente que seja necessário buscar. (Georges Bernanos)

Um dia desses ri sozinho
Lembrando tua zombaria
Ainda ecoa a gargalhada
Mas de bom quase não sobrou nada

Os discos que compramos juntos
Confesso nunca mais ouvi
E os ídolos que nos marcaram
Quase todos já nos deixaram

Os amigos não estão por perto
Não falam mais a nossa língua
Muitos anos já se passaram
Mas ainda lembro dos seus sonhos

Não há mais temor
Da fúria do mundo
Só há liberdade
Da sua vontade
Não sei mais de você
Quem vai ser feliz?
A certeza do teu sim
Com a dúvida do nosso fim

Quando me ouviu e não me escutou
Quando me viu e não me enxergou
Não aceitei mas entendi
Que você não estava mais aqui

E no final da madrugada
A nudez não foi castigada
Não foi só você quem escreveu
Essa história que alguém já leu

As águas levaram o tempo
O vento levou a fumaça
Todo o humor se acabou
E o amor nunca chegou

Não há mais temor
Da fúria do mundo
Só há liberdade
Da sua vontade
Não sei mais de você
Quem vai ser feliz?
A certeza do teu sim
Com a dúvida do nosso fim

Tive poucos amigos na adolescência. E mesmo na rua que morei durante muitos anos no Rio, só tive uns dois ou três amigos de verdade. E um deles perdi na época em que a gente mais se entrosava e compartilhava tudo. Esse amigo não morreu, pirou com maconha. Isso mesmo, ficou maluco fumando baseado. E o mais foda é que o cara não fumava muito, só dava uns tapas nos fins de semana, mas como já tinha tido problemas de disritmia na infância, acho que o pouco do bagulho que fumou foi fatal. O Jorginho era um moleque super alegre e eu me divertia muito com ele. Tinha uma risada estranha, gozada, tirava sarro de todo mundo, entretanto com as meninas era mais retraído. Me lembro como se fosse ontem, a gente feliz da vida comprando os três primeiros discos do Barão Vermelho no Shopping Rio Sul e doido pra chegar em casa pra curtir junto aquele som. O crioulo era boa pinta, inteligente, bem humorado, bom de bola e de xadrez. Mas de uma hora pra outra começou a ter delírios e não reconhecia mais ninguém. Chegou a ser internado mas voltando pra casa teve crises. Queria comer a mãe, sair pelado pela rua de madrugada (um dia conseguiu mas um amigo em comum salvou o cara antes que alguém visse) e não lembrava das nossas histórias. Foi triste ver meu brother naquele estado. Tive a sensação de estar diante de outra pessoa enquanto que meu amigo de verdade tinha morrido. E ficava de plantão pra não deixar ele sair altas horas da noite completamente nu. Mas ele era teimoso e parecia uma criança. A gente pegava na sua mão e levava pra dentro de casa tentando ensinar o que ele podia e não podia fazer. Com o tempo ele foi voltando e lembrando quem era, das pessoas, mas nunca mais foi o mesmo. Da última vez que tive notícias dele, fiquei sabendo que frequentava uma igreja evangélica e tava até mais calmo. O estranho é que em todo culto, quando perguntavam quem queria aceitar Jesus como salvador, ele levantava o braço. Ou seja, não lembrava que tinha se convertido no dia anterior. Nunca mais soube dele mas no início da década de 90 escrevi essa letra pensando no negão. Guardei com carinho os melhores momentos que tive com ele. Os piores tento esquecer.

Postado ao som de “Smashing Pumpkins” (Earphoria)

1 comentário:

  1. É curioso como essas mesmas letras em que você fala de amigos que foram embora me fazem lembrar de um ex namorado, um amor que nunca existiu.

    ;*

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