domingo, 20 de setembro de 2009

O VERBO SAGRADO



"Saber amar é saber deixar alguém te amar" (Herbert Vianna)

Há alguns meses atrás li numa edição da revista da MTV uma matéria sobre casais que transformaram o que poderíamos chamar de "amor impossível" em final feliz. Na tal matéria, tinha a história da moça que por solidariedade resolveu escrever cartas de apoio pra um presidiário que era irmão de uma amiga. Acabou se apaixonando depois que foi visitá-lo e hoje, apesar da falta de apoio da família e das amigas e do constrangimento ao passar pela revista nos dias de visita, encontra com ele duas vezes por mês e encara tudo numa boa. Diz que o que vale é o que um sente pelo outro e o que estão vivendo no momento. Tem a história de uma baiana que namora um suíço há dois anos e meio mas só o encontra de quatro em quatro meses quando um dos dois voa pro país do outro. Como rolam muitos telefonemas e e-mails, ela diz que sempre sabe onde ele está, quais problemas tá passando e que ele é muito mais presente na vida dela do que muitos casais. Tem também a história da boxeadora que namora com um argentino nas mesmas condições que a baiana e o suíço. Cada um no seu país, estão sempre pedindo demissão de seus empregos pra se encontrarem. Outro casal apaixonado da matéria: a publicitária loira de 25 anos com um instrutor de capoeira negro de 18 anos. Mesmo com a reprovação dos amigos e a represália da família, ela não se abalou e levou o relacionamento adiante. Tá feliz e diz que apesar da idade ele sempre foi mais maduro que ela. Tem também a história da socialite de uma tradicional família milionária e judia que se apaixonou por um sujeito católico que era o segurança do avô. Ele foi demitido e ela banida da família. A vida dos dois sofreu uma reviravolta: ela abriu mão da herança e largou a mordomia. Já ele virou madrugadas chorando ao ter que deixar os dois filhos do primeiro casamento, mas não se arrependeu. Disse que por ela faria tudo de novo. Hoje dividem as contas e são felizes.
Achei todas as histórias interessantes e o lance do sentimento muito bonito, mas acho muito complicado quando a distância atrapalha e por isso sempre critiquei esse tipo de relacionamento. Quando um amigo meu me disse que tinha arrumado uma namorada em Minas Gerais e um outro amigo me contou que tava com uma garota de Araraquara, perguntei a eles se valia mesmo a pena alimentar uma situação tão complexa, cara, difícil e que tinha poucas chances de dar certo, ter futuro. Antigamente eu era mais radical e achava que entrar numa dessas é pedir pra sofrer, mas hoje em dia já acho que cada caso é um caso e que só mesmo quem tá envolvido pode entender bem e aceitar esse tipo de namoro. O surpreendente é que às vezes a distância não é a desculpa. Tenho uma aluna que namora há dois anos com um enfermeiro e, apesar dele morar no mesmo bairro, se encontram muito pouco. Como ele faz pós-graduação, trabalha por escala e tem muitos "compromissos", não tem muito tempo pra ela. Quando se encontram de quinze em quinze dias ou uma vez por semana, ela vai pra sua casa e junto com a sogrinha assistem vídeos. Porra! Eles ficam sem se ver um tempão e quando se encontram vão ver filmes no sofá da sala?! E o foda é que durante minhas aulas, ela se abre comigo e conta que tá muito deprimida por causa do pouco tempo que fica com ele. Quando me contou isso fiquei meio ressabiado mas acabei botando pilha e dizendo que talvez ela gostasse mais dele do que ele dela, ou que talvez ele tivesse outra pessoa. Ela concordou comigo mas disse que amava muito o sujeito. Não me conformei com sua tristeza e questionei seu sentimento. Lembrei daquele blues do Cazuza que tem aquela frase que diz "se todo alguém que ama, ama pra ser correspondido e se todo alguém que eu amo é como amar a lua inacessível, então eu não amo ninguém., parece incrível, não amo ninguém e é só amor que eu respiro". Depois que citei esses versos seus olhos lacrimejaram. Fiquei comovido mas disfarcei. Falei pra ela ficar a vontade e ela chorou copiosamente. Perguntei como podia uma menina tão legal, bonita, inteligente e meiga continuar com uma pessoa que não lhe dava valor e ainda por cima lhe fazia sofrer daquele jeito. Tamanha era a sua carência e libido que ela chegou a comentar que trairia o seu namorado e até iria pra cama com alguém que não tivesse nome, endereço, história. Como tava desempregada, não tá estudando, não tem muitos amigos e vem de uma família desestruturada, sugeri que procurasse sair mais, passear em lugares públicos, shoppings, ir em eventos gratuitos, enfim, se expor mais. Talvez com isso conhecesse pessoas legais, faria amizades e quem sabe até um carinha legal pra fazer com que ela desencanasse do enfermeiro bunda mole. Me falando de como eram seus momentos com ele, ela disse que pra variar no último final de semana assistiu
Procurando Nemo. Adorou o desenho e se divertiu muito, mas confessou sem o menor pudor que o que ela queria mesmo naquele dia era "procurar” o Nemo. Coitada, ficou chupando o dedo (é o que sobrou!) É foda! (ou melhor, não é!). Finalmente conseguiu arrumar um emprego mas continua com aquele mala. Isso é o que acontece quando a gente se encontra com tamanha carência e uma enorme dor no peito de solidão. A gente prefere ficar mal acompanhado do que só. Mas pensando bem e analisando com calma, talvez eu esteja errado ao questionar sentimentos, criticar meus amigos, estranhar algumas relações. Talvez eu não esteja preparado pra entender o que essas pessoas sentem. Talvez todas essas pessoas, as da revista, os meus amigos e minha aluna, estejam amando realmente. Não o amor banalizado que a gente usa no dia a dia como "eu amo essa música" ou "dedico com todo amor" ou ainda "fiz esse trabalho com muito amor", mas o amor verdadeiro. Mas o que é o amor verdadeiro? Sinceramente não sei. Mas penso que amar talvez seja mais do que pensar na pessoa, se preocupar ou querer o seu bem. Amar pra mim talvez seja o que essas pessoas estão fazendo: sofrendo, tentando, enfrentando diferenças, medos, preconceitos, distância... É não se satisfazer com um e-mail ou um telefonema. É querer estar junto sempre. É querer compartilhar momentos com conversas onde se quer saber tudo do outro, o que viveu desde a primeira infância até hoje de manhã. É querer abraçar, brincar com seu cabelo, olhar dentro do olho, sentir a pele, colocar no colo pra ninar, mapear o corpo do outro até decorar todas as cicatrizes e sinais de nascença. É enfrentar a tudo e a todos pra se ter tudo isso. Acho que amar é se doar sem ficar pedindo em troca, ceder em alguns momentos, respeitar a individualidade do outro, acordar às 6 horas da manhã (no meu caso), chorar pra querer cuidar. É arriscar a vida, cortar o braço fora se for preciso. Acho que quem ama mesmo morre pelo outro.


Post escrito originalmente em outubro de 2004 no Poeira Eterna, meu antigo blog. Logo depois que publiquei esse texto meus amigos desistiram de suas namoradas e minha aluna foi dispensada pelo seu companheiro.


4 comentários:

  1. ...
    sem palavras...
    simplesmente chocante...
    *-*
    "se todo alguém que ama, ama pra ser correspondido e se todo alguém que eu amo é como amar a lua inacessível, então eu não amo ninguém., parece incrível, não amo ninguém e é só amor que eu respiro". ---- Ameiii*-*

    Lala Martins

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  2. Sergiiioooo!!!!

    Mano a quanto tempo voce não coloca alguma coisa no blog eiiin!

    voce nos deixou com gostinho de queroo maiis!

    Beijoos


    Lala Martins

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  3. Poxa Serginho, muito paradoxal esse texto: O que o Amor é então? Minha mãe disse que :" O Amor é tudo aquilo que o Amor faz!"

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  4. Vc sabe o quanto eu o admiro naum sabe? Tudo que vc escreve mexe comigo, tudo q vc naum escreve tb,já que sinto muito "sua" falta! Admiro-te incondicionalmente!!!

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